Alice Martins
Cadernos de Iwate
Bolsa de estudo Fundação Oriente/ARCO

Alice Martins beneficiou em 2019 de uma bolsa de estudo de curta duração, ao abrigo de um protocolo que tem alguns anos, em que a Fundação Oriente e o AR.CO acordaram conceder bolsas de estudo para estudantes de fotografia daquela instituição.  As propostas de projetos com o objetivo de uma visita de estudo ao Oriente são submetidas anualmente através do AR.CO  e a Fundação Oriente faz a respetiva seleção. 
Alice Martins tem um percurso académico diverso, licenciou-se em Ciência Politica e Relações Internacionais  e desenvolveu este gosto pela fotografia que a levou ao AR.CO para frequentar  o curso de fotografia.
Iremos ler o texto abaixo e ver as fotos que produziu, o que a levou ao Japão, mais em concreto à vila de Fudai na província de Iwate




Fudaimura (vila de Fudai) fica na costa da província de Iwate, região de Tohoku, no Japão. Tohoku foi a região mais afectada pelo desastre de 11 de Março de 2011, que combinou um sismo, um tsunami e um acidente nuclear.
Ao contrário de outras vilas próximas, Fudaimura sobreviveu intacta.



 Estação de comboios de Fudaimura, parte da linha férrea de Sanriku




 O mar visto desde Fudaihama


A construção de barreiras anti-tsunami não é uma medida inédita no Japão. Contudo, Fudai tem um sistema que é uma excepção, pela sua grande dimensão e adaptação às características topográficas do sítio.
A vila é rodeada por montanhas e atravessada pelo rio Fudaigawa. Um vale perto do mar permite que o rio desague e aqui foi construída a barreira que se estende por 200 metros de comprimento e 15,5 metros de altura. Esta estrutura foi construída por iniciativa do antigo Mayor, Kotoku Wamura.





Detalhes da cidade de Miyako e de Jodogahama, locais afectados pelo desastre de 2011


Esta região do Japão foi devastada por tsunamis pelo menos em mais duas ocasiões, 1896 e 1933. Nos anos 30, Kotoku Wamura era uma criança e testemunhou a destruição que o tsunami causou. Certo de que uma catástrofe assim se iria repetir, foi o responsável pela construção do muro nestes moldes, apesar da forte resistência política e social face à dimensão e custos do projecto.





Fudaihama

Quando chegamos a Fudaimura, não há qualquer sinal do muro, a vila está cercada por montanhas. É preciso que nos afastemos do centro e da estação, seguindo o rio, até chegarmos ao vale que nos dá acesso à praia, Fudaihama. A pé, é possível subir, caminhar ao longo do muro e descer para o lado da praia, ou podemos atravessá-lo pelas portas que ligam a passagem por estrada.
Entre a barreira e o mar há um extenso parque de relvado dividido pelo rio. A paisagem é muito serena e silenciosa. Mas os vestígios são mantidos para relembrar o que aconteceu. O muro tem assinaladas as marcas do nível que as águas atingiram em 2011. Ao longo do caminho há indicações para áreas mais elevadas e seguras. As pedras que o tsunami arrastou e que chegam a pesar 3 toneladas estão espalhadas por todo o parque. Encontramos placas ao longo do caminho, que contam (em japonês e inglês) a história de Fudaimura e do “Muro Milagroso”, explicam as principais actividades económicas da região e os locais de interesse a visitar. Há uma fotografia de Fudaihama num dia de Verão, com dezenas de pessoas a mergulhar na água e a desfrutar do Sol. Esta praia é chamada também de “Kira-umi” (Oceano Cintilante).





 Passagem entre a vila e a praia através da barreira anti-tsunami


A minha motivação para fazer este trabalho surgiu pelo interesse em compreender como é que o Japão se prepara e existe em torno do risco permanente e real da destruição  causada por uma catástrofe natural. Em especial, queria focar-me nesta vila que é uma excepção.
Mas para chegar a Fudaimura foi necessário percorrer toda a linha férrea de Sanriku. Outros muros estão a ser construídos. Restos das infra-estruturas que não foram capazes de proteger as vilas são preservados e contam a história do que aconteceu em 2011. Em Jodogahama, no restaurante e posto de turismo reconstruídos, há uma fotografia dos destroços do mesmo sítio, onde todos os dias chegam autocarros cheios de turistas.





Jodogahama, praia da costa de Sanriku 

Miyako, onde fiquei, foi destruída, e não só pelo tsunami em 2011, mas recorrentemente sofre estragos pelos tufões que são esperados todos os anos no Japão. A própria linha férrea que usei todos os dias apenas recentemente voltou a funcionar. Em todo o lado podemos aprender sobre o que aconteceu e em todo o lado podemos aprender sobre o que é necessário fazer quando tudo se repetir.


O “Muro Milagroso”, a barreira anti-tsunami

Ao passar por todos estes sítios, a minha experiência por não ser apenas sobre uma vila que  s o b r e v i v e u  a o  T s u n a m i  d e  2 0 1 1 , m a s  s o b r e a  resiliência, cultura de prevenção e construção da memória coletiva de uma população. No entanto, creio que apenas toquei na superfície destes temas. Nos próximos meses, irei trabalhar sobre as fotografias e outros materiais recolhidos, com tempo e alguma distância, para assimilar esta experiência e apresentar este projecto em formato de livro e talvez de exposição.

  Detalhe da Praia de Jodogahama, costa de Sanriku

Mas quero regressar ao Japão, em especial a esta região norte, Tohoku, para conhecer mais do que são estes ciclos  d e  d e s t r u i ç ã o  e  r e c o n s t r u- ç ã o  t ã o  p r e s e n t e s  e profundamente enraizados na cultura e postura japonesas.


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