Fortuna histórica da Galeria de retratos dos Vice-Reis - Ana Teresa Teves Reis



Fortuna histórica da Galeria de retratos dos Vice-Reis
Ana Teresa Teves Reis

Agosto, 2019

-  Ana Teresa Teves Reis, conservadora-restauradora e bolseira de investigação, CIEBA-Centro de Investigação e Estudos em Belas-Artes, FBAUL; Laboratório HERCULES (Universidade de Évora) - bolseira de curta duração da Fundação Oriente
- outros investigadores :Fernando António Baptista Pereira, historiador de arte, museólogo, CIEBA-Centro de Investigação e Estudos em Belas-Artes, FBAUL; Laboratório HERCULES (Universidade de Évora); David Teves Reis, conservador-restaurador ;e Ana Duarte, historiadora.


Este trabalho de campo surgiu da necessidade de encontrar novos dados para a fortuna histórica da Galeria de retratos dos Vice-Reis e Governadores do antigo Estado da Índia, mais especificamente dos interveniente das diferentes fases pictóricas desta colecção idealizada pelo Vice-Rei D. João de Castro, em 1547, para figurar nas salas nobres da residência oficial destes governantes e que, desde 1961, se encontra sob a tutela do Archaeological Survey of India, parcialmente exposta no Museu Arqueológico de Velha Goa, situado no antigo convento de São Francisco de Assis.  





Galeria de retratos em exposição. Museu arqueológico do ASI, Velha Goa. Créditos: Fernando António Baptista Pereira


Em Janeiro último, no contexto do projecto Old Goa Revelations: New insights on the Viceroys Gallery (1), foi realizado pela primeira vez o estudo científico in-situ de alguns retratos desta colecção, sendo possível a recolha de dados relativos aos materiais e técnicas presentes na constituição destas obras, cuja interpretação tem vindo a ser levado a cabo por uma equipa multidisciplinar das áreas da conservação e restauro, história da arte e ciências aplicadas ao património cultural.




OGR Sessions. Estudo científico de retratos da Galeria. Créditos: Mónica Esteves Reis


Assim, o nosso objectivo para esta fase de trabalho era o de complementar a informação recolhida de natureza técnica e científica com factos históricos que nos permitissem contextualizar e situar cronologicamente aquilo que é mais evidente e que caracteriza estes retratos, mais especificamente o resultado de sucessivas intervenções das camadas pictóricas. Felizmente, pudemos contar com o apoio do Museu Arqueológico do ASI, o que nos permitiu realizar um trabalho de campo teórico-prático (de pesquisa arquivística e estudo das obras), no sentido em que foi possível analisar os retratos que estão em reserva e assim recolher dados relativos a pormenores construtivos, bem como de pormenores relacionados com as diferentes fases de renovação. Possibilitou ainda que fosse realizado o levantamento geral das condições de preservação e conservação destas peças, bem como do património integrado circunscrito ao antigo Convento e Igreja de São Francisco, informação que será disponibilizada às autoridades competentes.


Fase I – Arquivo Histórico de Goa, Fontaínhas 

Edifício do Directorate of Archives and Archaeology, Fontaínhas. Créditos Teresa Reis

Excerto de documento. Créditos: Directorate of Archives and Archaeology



Com base no levantamento prévio das datas chave que marcam o percurso histórico desta colecção, consultámos códices do século XVI ao século XIX que ainda não estão digitalizados/microfilmados, procurando informação sobre encomendas, pagamentos, contratos, correspondência entre o Governo Geral e o Senado, entre outros registos. Percebemos que a evolução desta colecção está intimamente ligada à evolução histórica dos vários Palácios dos governantes, mais especificamente a campanhas de obras, ampliação, renovação, etc. Com efeito, os principais momentos em que já conseguimos associar intervenções de grande escala na colecção que, por norma, se traduziram em adições de camadas, coincidem com momentos de renovação dos Palácios. O mau estado de conservação ou de legibilidade de muitos códices do século XVI, mas também alguns dos séculos XVII e XVIII, bem como o facto de algumas obras se encontrarem incompletas, dificultou de algum modo a nossa pesquisa. Porém, encontramo-nos a processar a informação que foi recolhida, que será divulgada em sede de relatório relativa ao Cerimonial dos Vice-Reis, ao plano de reconstrução da Velha Cidade, à evolução das obras de reparação do Palácio de Pangim, Arco dos Vice-Reis e outro património a cargo do Senado e seus intervenientes. Dados que irão permitir adicionar novos capítulos à história desta colecção e promover a sua interpretação. 


Fase II – ASI Museum, Velha Goa




Antigo Convento de São Francisco, Museu Arqueológico, ASI, Velha Goa. Créditos: David Teves Reis

Processo de remoção dos retratos para observação. Créditos Teresa Reis, cortesia ASI


Nave da Igreja de São Francisco de Assis, Velha Goa. Créditos: David Teves Reis, cortesia ASI



Durante o estudo científico referido ocorrido em Janeiro, tivemos a oportunidade de observar o tardoz de 15 retratos, que contêm diversa informação relevante para o nosso estudo, nomeadamente inscrições, marcas dos construtores/autores, diferentes tipos de ensamblagens, vestígios dos vários modos de suspensão, intervenções no suporte lenhoso, etc. Já na altura começámos a detectar padrões que podemos agora comparar com a informação recolhida de 29 retratos em reserva e de mais retratos em exposição. Este tipo de levantamento, nunca feito até agora, irá permitir trazer novas informações acerca dos processos construtivos de pinturas de cavalete em suporte lenhoso executadas nesta região entre os séculos XVI e XVIII, bem como das diferentes intervenções de restauro. 

Pormenor de marcas de marceneiro/carpinteiro no tardoz de um dos retratos. Créditos: David Teves Reis, cortesia ASI

Pormenor do tardoz de um dos retratos revelando detalhes da construção e das diferentes adições.



Considerações finais
 
A tese de doutoramento em curso, para cuja pesquisa nos candidatámos a esta bolsa de curta duração, tem como tema a interpretação e salvaguarda da Galeria dos Vice-Reis. Consideramos que a salvaguarda de qualquer bem requer um estudo prévio da sua origem, do seu percurso e do seu significado. A missão da conservação e restauro, acima de tudo, é a de preservar assegurando a interpretação dos valores intrínsecos de cada objecto. No caso de uma colecção em contexto de património partilhado, como é a Galeria dos Vice-Reis, a definição de tais valores pode tornar-se um processo complexo, evolvendo sensibilidades das diferentes culturas e comunidades com o qual se relacionam. A apresentação de factos históricos e científicos tem por isso um papel importante neste processo, pois validam o desenvolvimento do estudo deste património.
Apesar de esta galeria já ter sido alvo de diversos estudos de finais do século XIX e também do século XX, deparámos com algumas contradições, quanto a datas e ocorrência de eventos que surgem da citação contínua de fontes que nem sempre estão correctas ou completas. A possibilidade de consulta dos documentos originais, quer os depositados em arquivo, quer as próprias obras (como tivemos o privilégio de concretizar neste estudo) irá permitir uma necessária actualização de dados, bem como o registo de informação acerca destes retratos que não eram do conhecimento público.
Esperamos que os resultados que iremos apresentar em sede de relatório, na tese de doutoramento e em outras publicações científicas possam também auxiliar o trabalho de outros investigadores. 
Não queremos deixar de agradecer à Fundação Oriente pela confiança no nosso trabalho e por todo o apoio prestado para a sua concretização, em especial pela Inês Figueira e pela Isabel Carvalho.

 (1) O Projecto Old Goa Revelations: new insights on the Viceroys Gallery é coordenado pelos centros de investigação CIEBA (Universidade de Lisboa) e Laboratório HERCULES (Universidade de Évora). Conta com o apoio financeiro da Fundação Calouste Gulbenkian, apoio técnico e científico do Laboratório José de Figueiredo (DGPC) e apoio logístico da Fundação Oriente e do CHAM (FCSH-Universidade Nova de Lisboa).

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