Maria Augusta Lima - estágio de cerâmica japonesa no Kyoto National Museum
Estou no Japão há cerca de dois meses a estudar cerâmica japonesa no Kyoto National Museum. Sendo admiradora da cultura japonesa desde há muito, parti com uma ideia, porventura algo preconceituosa, do que me esperava na “terra do sol nascente”: organização e regras para tudo, polidez no trato, um certo conservadorismo, e, claro, uma limpeza extrema. Ao mesmo tempo sabia que iria encontrar um país com uma sensibilidade estética muito particular, com a qual me identifico, e cujas origens desejava conhecer melhor.
No Museu a recepção não poderia ter sido mais acolhedora. Receberam-me com um “bom dia!” pois tinham preparado uma folha com várias expressões em japonês traduzidas para português. Nesse dia perdi a conta às vénias que fiz e aos cartões de visita que distribui, já agora deixo uma recomendação a quem vai para o Japão, não esquecer os cartões de visita! Esta é uma das tais regras de etiqueta incontornáveis, e que tem os seus preceitos, mas o fundamental mesmo é oferecer um cartão de visita quando nos apresentamos a alguém.
Sobre a vida no Japão, apesar de a maioria dos japoneses não falar inglês, ou falar muito pouco, tem sido relativamente fácil levar um dia-a-dia fluido, com muito recurso ao Google Maps e Google Translate é certo, sobretudo para os transportes as indicações do Google Maps são bastante úteis. Mas os japoneses são extremamente amáveis, já por mais do que uma vez quando dava ares de estar perdida me perguntaram se precisava de ajuda e mesmo não falando bem inglês tentam sempre ajudar.
Quioto é uma cidade lindíssima, conhecida pelos seus inúmeros templos e pelo bairro de Gion, o bairro dos bares, casas de chá e das gueixas, com uma atmosfera muito especial, principalmente à noite com a luz velada das lanternas. Mas Quioto é também uma cidade com o peso da história, onde sentimos que as tradições prevalecem e são apreciadas. É considerada por muitos japoneses a cidade mais conservadora do Japão. Estive por alguns dias na ilha de Kyushu, na cidade de Fukuoka, e recentemente em Tóquio, e em ambos as cidades tive a sensação de que as pessoas são efetivamente mais “relaxadas” do que em Quioto e deixam a etiqueta um pouco de lado.
Uma das experiências mais enriquecedoras tem sido viver numa casa tradicional japonesa com japoneses. A casa situa-se numa colina de Quioto, a encosta Keage, um local bucólico, no meio da floresta e com acesso por ruas estreitas e caminhos empredados, alguns templos em redor, e uma fauna característica que já metem pregado alguns sustos! Nestes montes existem inoshishi, uns porcos selvagens parecidos com os javalis masde cor branca, que de vez em quando saem disparados do bosque e cruzam o caminho. Mas tal como aparecem também fogem num ápice!
O interior da casa é muito bonito com alguns quartos com tatami e portas de correr em madeira e papel. As camas são futon e não há mobília nos quartos, é um ambiente muito tranquilo que sabe bem depois de um dia de trabalho. Na casa somos cinco e eu sou a única estrangeira.
Com os meus companheiros de casa tenho aprendido imenso sobre a gastronomia japonesa, como por exemplo, como preparar natto, os feijões de soja fermentados, cujo aspecto e odor são tudo menos atractivos mas que sobre uma taça de arroz fumegante e misturados com ovo cru até é bastante bom e reconfortante.
Mas viver na floresta tem o seu senão... no início de Setembro quando o tufão Jebi assolou o sul do Japão várias árvores caíram em redor da casa derrubando postes de electricidade e cortando assim a energia eléctrica na zona. Nesse dia todos os serviços e transportes encerraram e portanto estávamos todos em casa em redor da mesa da sala (não há sofá, só almofadas no chão...) a ouvir as notícias através de um rádio de pilhas à luz de velas. Apesar do ambiente apocalíptico acabou por ser agradável porque conversámos bastante e fiquei a conhecer melhor os meus companheiros de casa.
Estas são as primeiras impressões do Japão e de Quioto, uma cidade com uma atmosfera especial e penso que o melhor local para entender, e sentir, a dita estética wabi-sabi, intimamente ligada à cerimónia do chá e a Quioto. Mas este tema merece um outro post, acompanhado de um chá matcha!
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